The death of Socrates - First Thoughts

The corrupted blindness. The poison. The thirst, and the blindness, and the poison. The laughing trident of every contentment.

And the shrill laughter of fear as night falls on what has come… like a tumble of evening light.

A cegueira corroída. O veneno. A sede, e a cegueira, e o veneno. O tridente risonho de cada contentamento.

E o riso estridente do medoquando a noite cai sobre o que veio…como um tombo de luz a empardecer.

Cassiopeia

From the inside out. Unnamed. Upside down.

I remember meeting the world, or the bits of it that came into my eyes to the roots of my understanding, a few years ago.

I remember it in a certain way. The features I think it had. The timbre of its voice. The peculiar configuration of its face and the fleeting constancy of its figure.

I remember meeting the world a few years ago. And I don't know when it was that I woke up and the world I knew was unfamiliar to me. It certainly was a slow metamorphosis, a planned lying change… so I couldn’t see it happening, right before my eyes. It was the nose that grew, a tiny breath with every turn of the months. The strands of hair that turned into other colors so slowly that the human eye couldn’t have felt it happening. It was the skin that went pale, as  in the winter months,  getting colder and windy by the day.
It was something that became something else that I had not noticed until everything was strange, foreign, unknown to me.

I don’t remember this world, and I don’t know how to learn the shades of its face if every day it changes like the surface of a sea beaten by the wind.I don't know how to find it beautiful, just as I don't know how to find it in any way, with any adjectives. I don't know how to find it and that's enough. And if I look for it, I have no way of seeing it anywhere where my understanding has the confidence to go. I have no dislike for it, just as I have no feelings that I could describe or construct. It escapes me, like the hours and passes before me without courtesies or rudeness of any kind. I do not belong to it. It doesn't want or rejects me, and I don't know what fear or sympathy I should devote to it.

I remember meeting the world a few years ago, and the world was not this one. Not a distant relative. An acquaintance. A friend of a friend. They actually never met. 

I remember meeting the world, knowing it well, and the world wasn’t this one. And the strangeness is such that, today, I think one of us is certainly in the wrong place without being aware of it. That one of us is lost, wandering through life as if it was a dream. From the inside out. Unnamed... and upside down.

Do avesso. Sem nome. De Pernas para o ar.

Lembro-me de ter conhecido o mundo, ou aquilo que do mundo me entrava pelos olhos até às raízes possíveis do entendimento, há alguns anos atrás.

Lembro-me dele de uma certa maneira. Das feições que julgo que tinha. Da forma como cantava a sua voz. Da configuração peculiar do seu rosto e da constância fugaz da sua figura.

Lembro-me de ter conhecido o mundo, há alguns anos atrás. E não sei quando terá sido o dia em que acordei e o mundo que conheci não tinha comigo familiaridade nenhuma. Foi por certo uma metamorfose lenta, uma mudança encoberta, matreira, planeada e mentirosa, de modo a que eu não a sentisse acontecer, bem diante dos meus olhos, a cada dia. Foi o nariz que cresceu, um minúsculo sopro a cada virar dos meses. Os fios de cabelo que se tingiram de outras cores, tão lentamente que o olho humano não o poderia ter sentido acontecer. Foi a pele que empalideceu, como empalidece nos meses de inverno e ganha cheiro a frio e vento. Foi qualquer coisa que se tornou outra sem que eu tivesse dado por ela até que tudo me fosse estranho, estrangeiro, desconhecido.

Não me lembro deste mundo, e não sei como começar a decorar os trejeitos do seu rosto, se a cada dia ele muda como a superfície de um mar batido pelo vento. Não sei como achá-lo belo, assim como não sei como achá-lo de nenhuma forma, com nenhum adjectivo. Não sei achá-lo e isso basta. E se o procuro, não tenho como entrevê-lo em lugar nenhum onde o meu entendimento tenha a confiança de entrar. Não tenho por ele repugnância, assim como não tenho sentimento algum que seja capaz de descrever ou construir. Foge-me, como me fogem as horas. Passa diante de mim sem cortesias ou rudezas de natureza alguma. Não lhe pertenço. Não me quer nem deixa de me querer e eu não sei que pavor ou simpatia lhe hei-de dedicar.

Lembro-me de ter conhecido o mundo, há alguns anos atrás, e o mundo não era este. Nem um parente distante. Um conhecido. Um amigo de um amigo. Não se cruzaram nunca em esquina alguma da vida.

Lembro-me de ter conhecido o mundo, de o ter conhecido bem, e o mundo não era este. E a estranheza é tamanha que, hoje, penso que um de nós estará no lugar errado sem ter consciência disso. Que um de nós estará perdido, a errar pela vida como em sonhos. Do avesso. Sem nome… e de pernas para o ar.

The Uncanny

Todos os dias me deito à sombra de todos os outros. Os que ainda agora passaram. Os que deixaram de aqui estar há tanto tempo que deles não guardo outra coisa que não impressões veladas do que foram. Os que hão-de chegar e, sem que eu deles tenha sensação alguma que se possa agarrar, hão-de ter passado também.

Todos os dias nasço para um corpo novo, uma ideia minha cansada e repetida e que, ainda assim, me é tão estranha que não sei quem me olha de volta , do lado de lá.

Todos os dias a carne que habito se reconfigura e me entedia por ser sempre igual, e me aflige na mudança imperceptível que vejo com os olhos das sensações abstractas.

Todos os dias me trazem fantasmas de memórias. Com uma neblina por cima. Qualquer coisa que não é recordação, não é lembrança e não é bem pensamento. Pequenos sinais perdidos. Pontos cardeais de quem eu fui ou de um sonho bizarro que, outrora, eu possa ter tido. Cores e cheiros e imagens em farrapos. Luzes e barulhos e sabores que se sentem com a pele. Fragmentos das horas em que fui Outra coisa que não isto, e isto também, e o que ainda haveria de ser, num tempo tão ido que me parece inventado.

E há qualquer coisa , por detrás do coração, que se encolhe quando as cores garridas da lata dos rebuçados decorada de ferrugem se abrem no pensamento, e as minhas mãos tão pequenas se estendem para elas, por entre o cheiro a bafio e a madeira encerada … e as buzinas estridentes ressoam pelos vidros do agora e me devolvem a mim, com a sensação bizarra e falsa de ter estado no avesso do mundo.

Todos os dias são um eco de outros dias e o grito original de tantos outros.

Every day I lay in the shadow of every other day. The days that are still passing. The days that left me so many time ago that the only thing about them that remains in me is a veiled impression of what they were. The days which are still to come and, in a moment, will be gone as well. 

Every day I born to a new body, a tired and repeated idea of me, and yet, so strange that I don’t know who looks back at me, on the other side. 

Every day the flesh where I live changes and bores me for being always the same, and frightens me in the imperceptible change that I see with the eyes of abstract sensations.

Every day brings me ghosts of memories. With a fog over it. Something that is not a memory and is not a thought. Little lost signs. Cardinal points of who I was or a bizarre dream that I may once have had. Colors and smells and ragged images. Lights and noises and flavors that I feel with the skin. Fragments of the hours when I was Another thing rather than this. But also this and all the things I’m yet to be, in such a lost time that it sounds like a fantasy. 

And there is something behind the heart that shrinks when the vivid colors of the candy box, adorned with rust, is opened in my mind and my tiny hands grab it, amid the smell of dust and wood… and the blaring horns resonate through the windows of today and I’m returned to myself with a bizarre and false feeling of having been on the reverse of the world.

Every day is an echo of other days and the original scream of many others.

About the writing

The written form is something that always accompanies me and has always been part of my creative process, even though I have chosen to keep this part more hidden, more protected and more intimate. Recently I have taken the first steps in assuming the weight of the word in me, in integrating the painting with a kind of poetic prose that helps me think and shape it. I believe that they do not necessarily need each other to validate themselves. It's me who needs both.

A forma escrita é algo que me acompanha desde sempre e que sempre fez parte do meu processo criativo, ainda que eu tenha optado por manter essa parcela mais oculta, mais resguardada e mais íntima. Recentemente tenho dado os primeiros passos no assumir o peso da palavra em mim, na integração da pintura com uma espécie de prosa poética que me ajuda a pensá-la e a dar-lhe forma. Acredito que elas não precisem necessariamente uma da outra para se fazerem valer. Sou eu quem precisa de ambas.

The Hidden Place

They are tales from a hidden place. Pieces of stories worn from being told so many times, of stories that have never been heard.

These are the tales that lie beyond us and that build us, so pervaded in the rough fabric of our understanding that they do not reveal themselves without making our soul into rags of nothingness. They are tales like fine silk threads that sew the rough cloths of the ego and make us whole on the outside and broken within.

They are the fables lost in the pale places of our memory, the bits of a song that we may never have heard. The faceless faces that bring in their lap the eyes of every crowd. The colors of the landscapes we came back from so long ago that the only remains of them are vague impressions of something that has no name or how to be called. The shapeless sounds, the dreams that so often remind us of anything that has happened. And the lived things that were lost in dreams, in a bizarre blend of running images.

They are tales of a hidden place. The lost forge of our identity. The noise. The smell of nothing at all… that fills us as it exudes from the inside out of our gaze. The reflection in murky waters of a foreign lover. The quiet acidity of the memories that got stuck in the crooked sieve of time.

São contos de um lugar escondido. Pedaços de histórias gastas de tanto serem contadas , de histórias que nunca foram ouvidas.

São contos que ficam para lá de nós e que são quem nós somos, tão impregnados no tecido áspero do nosso entendimento que não se revelam sem que da alma só nos restem farrapos de nenhuma coisa. São contos como linhas de seda fina, que nos costuram os panos rudes do ego e nos fazem inteiros por fora e estilhaços por dentro.

São as fábulas que se perderam nos lugares mais pálidos da nossa memória, os pedaços de canções que, talvez, nunca tenhamos chegado a ouvir. Os rostos sem cara que trazem no regaço os olhares todos, de cada multidão. As cores das paisagens de onde voltamos há tanto tempo, que delas só nos resta uma impressão vaga de uma coisa qualquer, que não tem nome nem como ser chamada. Os sons informes, os sonhos que às tantas nos são como recordações de qualquer coisa que tenha acontecido. E as coisas vividas que se perderam nos sonhos , numa mescla parda de bizarria de imagens a correr.

São contos de um lugar escondido. A forja perdida da nossa identidade. O barulho. O cheiro de coisa nenhuma que nos tolhe como se exalasse do avesso do nosso olhar. O reflexo em águas turvas de um amante estrangeiro. A acidez tranquila das memórias que ficaram presas... na malha torta da peneira do tempo.